VENDER MUITO NÃO É SINÔNIMO DE LUCRATIVIDADE

Logo da GM em sua sede em São Caetano do Sul. Foto: REUTERS/Leonardo Benassatto.

A GM (General Motors) conquistou em 2018, pelo quarto ano consecutivo, o posto de montadora que mais vendeu veículos no Brasil. A GM anotou 17,6% do total de vendas de veículos novos em 2018, quase 3 pontos percentuais acima do segundo colocado, a montadora Volkswagen.

Em janeiro de 2019 o Onix, seu produto líder de vendas e carro mais vendido no Brasil desde 2016, emplacou mais que o dobro de vendas do segundo colocado, O HB20 da sul-coreana Hyundai.

Parece um resultado espetacular, digno de celebração. Porém…

Num comunicado interno o executivo chefe das operações no Brasil, Carlos Zarlenga, deu a entender que a montadora cogita claramente encerrar suas operações no país!

O memorando interno reproduz uma fala da executiva Mary Barra, CEO da GM, feito numa apresentação para investidores e citada numa matéria publicada pelo jornal Detroit News: “Não vamos continuar investindo para perder dinheiro”.

Como assim?!

Acontece que a GM acumula prejuízos significativos no Brasil há 3 anos!

A montadora pode estar se preparando para dar na América do Sul os mesmos passos que deu na Europa quando, após 17 anos no vermelho e prejuízos bilionários, a montadora de Detroit deixou o velho continente em 2017.

Ganhos operacionais da GM Europa – 1999-2016

Mas como isso é possível se as vendas são altas e a montadora é líder de mercado?

Poucas pessoas entendem com clareza de que não adianta nada vender sem MARGEM!

“Margem” é aquilo que sobra depois de cobertos todos os custos e pagas todas as despesas. É a última linha de um demonstrativo de resultados. No final das contas, é o que realmente interessa ao acionista/dono/empreendedor pois dá a medida da rentabilidade/atratividade do negócio. É o quanto de dinheiro cada um vai levar para casa. Ou seja, o LUCRO!

Mas é possível vender e não ganhar nada?!

Claro! Bem verdade, o empreendedor que não conhece pormenorizadamente os seus números comete esse erro com frequência.

Todas as empresas incorrem em custos e despesas para operar. Pense em gastos com pessoas, materiais e infraestrutura. Essas despesas “comprometem” parte do faturamento. Além disso, sempre que há faturamento há também cobrança de impostos.

Os gastos podem ser de caráter fixo (por exemplo, aluguel e pagamento de pessoal) ou variável (comissões sobre vendas, taxas de operações sobre cartões de crédito). Todos são compulsórios e representam um valor percentual sobre o faturamento da empresa.

O problema maior são justamente os gastos fixos!

Vejamos um exemplo bem simples para efeitos didáticos.

Imagine uma empresa que vende canetas por $10. Essa empresa tem, somados os seus custos e despesas fixas (pessoas, materiais e infraestrutura), um gasto de $8 com cada caneta. Nesse caso, sua margem de ganhos antes dos impostos* é de 20%.

Se essa empresa cortar seu preço de venda (desconto ou promoção) com vistas a reagir contra um movimento da concorrência ou ganhar mercado (conquistar clientes), esse “corte” vai se refletir na sua margem, uma vez que sua estrutura de custos é fixa!

Imagine que se a empresa baixar seu preço de venda de $10 para $8 sua caneta fica mais competitiva e ela pode até conquistar muitos clientes, mas não vai estar ganhando nada. Se baixar ainda mais seu preço, cada caneta vai estar de fato sendo vendida com prejuízo, ou seja, abaixo do que ela custa!

Parece simplório, mas muitos empresários procedem assim, em especial em empresas de serviços.

Sem enxergar que cada serviço é uma “unidade de produção” que tem “centros de custos” próprios, os “cortes” (descontos) podem ser na carne, ou seja, diretamente na margem de ganhos!

O resultado? Mesmo vendendo muito, em pouco tempo a empresa começa a enfrentar dificuldades para pagar suas contas pois não tem geração de caixa. O que “mata” muitas empresas (as nascentes são vítimas mais comuns) não é falta de vendas mas falta de caixa (dinheiro na mão)!

Qual o antídoto desse mal?

O empresário precisa conhecer muito bem seus números (ou indicadores) em especial aqueles necessários para compor o preço de venda, ou seja, o custo total dos produtos e dos serviços.

Em caso de dificuldades, é preciso adotar a “estratégia da tesoura”, ou seja, cortar gastos.

Normalmente, é nos momentos de crise que o empresário se põe em ação e adota um conjunto de medidas que normalmente já deveriam ter sido tomadas há muito tempo: Dispensar pessoas improdutivas, rever sua estrutura de custos e renegociar contratos com fornecedores.

Se, estancada a sangria, a empresa sobreviver aí então é preciso voltar o olhar para os clientes. A “estratégia da tesoura” costuma ter eficácia, mas é uma estratégia “míope”, ou seja, tem pouca amplitude.

Para poder mexer nos preços e recuperar ou ampliar suas margens é preciso tentar entregar algo melhor ou diferente da concorrência. Em outras palavras, buscar a inovação (nova + ação).

É exatamente essa a cartilha que a GM está seguindo. A empresa planeja cortar 15% dos funcionários administrativos, fechar 5 fábricas improdutivas, descartar veículos que vendem pouco e investir em novos veículos de propulsão elétrica.

Todas essas medidas são desconfortáveis, dolorosas e sujeitas a muitas críticas (em especial dos sindicatos dos trabalhadores).

Mas o jogo da competição dos mercados é um jogo que não termina nunca. A meta primeira de uma empresa é, simplesmente, se manter no tabuleiro.

Cleverson Costa
PhD Researcher
Center for Advanced Research in Management
ISEG – Lisbon School of Economics & Management

* Essa margem também é conhecida como EBITDA (lucro antes dos juros, impostos, depreciações e amortizações, em inglês) e dá uma boa medida da capacidade da empresa em “gerar caixa” (ter dinheiro na mão).

2 comentários Adicione o seu

  1. Marcelo disse:

    Prof. ótimo artigo. Mas tenho minhas dúvidas desse papo da GM. Não faz muito tempo, acho que uns 3 anos atras, um cara Joel Leite da AG. Auto Informe que comenta na Band (Rádio) disse que no Brasil, as margens das montadoras, são as maiores do mundo…. visto que o carro aqui é caríssimo perto dos modelos europeus e americanos. Pode ser um blefe, chorar que não dá lucro para o governo e ai conseguir mais subsídios, como ocorreu no gov. do PT. Mas de qualquer forma, seu texto está ótimo. Obrigado!

    1. Olá Marcelo!
      Não é bem assim. A GM é uma empresa de capital aberto com ações na bolsa de valores norte-americana. Seus resultados são divulgados em eventos e reuniões com/para acionistas nos Estados Unidos. Por lá não se “mascara” balanço pois é crime grave passível de punições severas. O executivo que frauda corre sério risco de parar na cadeia! Veja o caso recente do Carlos Ghosn da Nissan. Não tem essa de “blefar” para conseguir subsídios. O resultado é o que é! Ele é divulgado para acionistas e analistas de mercado e as decisões do corpo executivo impactam diretamente no risco e no valor das ações da empresa. Veja mais aqui: https://investor.gm.com/news-releases/news-release-details/general-motors-strengthens-core-business-and-future-mobility
      Grande abraço!

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