AVALIAÇÃO FÍSICA: ANACRONISMO ORTODOXO

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Em Guerra nas Estrelas Obi-Wan Kenobi sente um distúrbio na Força quando o Império usa a Estrela da Morte pela primeira vez e explode o planeta Alderaan. Muitas academias e avaliadores físicos devem ter sentido o mesmo distúrbio com a promulgação, em Belo Horizonte, da lei que extingue a obrigatoriedade da avaliação física para iniciar exercícios em academias¹.

A avaliação física é paradigma enraizado no mercado de fitness da capital mineira. Em outras praças nem tanto e em tantas outras, Brasil afora, nem se faz menção. Mas na capital da Terra do Pão de Queijo a avaliação pré-início tem ares de dogma.

O argumento principal para sua venda costuma ser “avaliar para prescrever”. A segunda justificativa mais utilizada é o argumento da “comparação/evolução”. Entoando esses dois mantras, por décadas a avaliação física fez a alegria e foi o ganha-pão de muitos profissionais da Fisioterapia e da Educação Física.

Todos eles, ouso dizer, munidos de muito boas intenções! O discurso era de que a avaliação física era necessária ou imprescindível para alertar o usuário de um possível problema ou limitação, tanto para efeitos de proteção à saúde quanto para servir de guia para prescrição de exercícios.

Há ainda o argumento da “proteção jurídica”: A avaliação física é um argumento de salvaguarda para as academias em caso de um acidente cardiovascular ou qualquer mal induzido pelo exercício (ou induzido por qualquer outra coisa) ocorrido dentro de suas dependências.

Tudo muito virtuoso. Na prática, entretanto, a avaliação física obrigatória é recheada de incoerências, permeada de meias verdades e, para efeitos de fim e de fato, desnecessária.

Tomemos como exemplo países que tem um histórico de proteção ao consumidor mais amplo e um sistema legal onde a aplicação das leis é mais rigorosa do que no Brasil.

Nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia, por exemplo, NUNCA se exigiu avaliação física para alguém começar a praticar exercícios em academias! Até onde eu sei, nenhum país da União Europeia jamais o fez.

Ora, se avaliação física é realmente imprescindível para garantir a “segurança do consumidor” porque é que até hoje nenhum órgão da área da saúde impôs essa norma nos países supracitados? Seria a sociedade civil nesses países menos esclarecida ou mais leniente do que a nossa?

Ainda na temática da “segurança do consumidor” porque é que, via de regra, a avaliação física é exigida para a prática da musculação mas prontamente descartada para quase toda outra atividade como, por exemplo, a hidroginástica ou as artes marciais? Às vezes até mesmo para atividades com predominância do sistema cardiorrespiratório tais como o ciclismo indoor e, principalmente, a corrida!

O argumento da avaliação como instrumento para “guiar a prescrição” sucumbe à mínima análise. O conjunto de testes normalmente empregados numa sessão de avaliação física – composição corporal, antropometria, aptidão cardiorrespiratória, força e potência musculares, flexibilidade e desvios posturais – não oferecem, nenhum deles, parâmetro algum de referência para guiar o emprego de um exercício resistido localizado em detrimento de outro. Ninguém jamais preteriu a rosca direta na barra reta em detrimento da rosca direta na barra W ou mesmo no banco Scott com base em qualquer um desses parâmetros.

Finalmente, para “acompanhar a evolução” o maior interessado deveria ser o cliente! Porém, a maioria NÃO SE INTERESSA por fazer avaliação física, fato atestado pelo baixíssimo volume de reavaliações, salvo se for compulsoriamente imposta pela academia.

E tem mais.

Em 2015 o American College of Sports Medicine (ACSM) publicou uma posição oficial derivada de uma revisão das suas recomendações para avaliação antes de iniciar uma atividade física². O ACSM declarou que as recomendações anteriores a essa data

caused a potential barrier to adopting exercise and a financial burden on the individual”.

Adicionalmente, o ACSM reconhece abertamente que

“the extreme rarity of exercise-related sudden cardiac death and acute myocardial infarction suggests that the ability to predict these rare events by assessing cardiovascular disease risk factors is low”.

E ainda afirma que,

“exercise preparticipation health screening recommendations should not present unnecessary obstacles that deter people from adopting and maintaining a regular exercise program”.

Ademais, os maiores “promotores” da avaliação física deveriam ser os profissionais que trabalham nas academias pois são eles que, teoricamente, mais (re)conhecem o VALOR dessa prática para o cliente e os reflexos das informações nela contidas para elevar seu próprio trabalho, certo?

Só que não…

Recente pesquisa publicada no Journal of Science and Medicine in Sport³ apontou que na Austrália, apesar de fazer parte das atribuições dos profissionais de fitness, a maioria deles NÃO ACOMPANHA E NÃO RECOMENDA avaliações físicas aos seus clientes. Os motivos?

– FALTA DE INTERESSE dos clientes.

– FALTA DE ENGAJAMENTO dos profissionais.

NOTA IMPORTANTE: Não estou dizendo que a avaliação física não tenha valor algum. Estou rebatendo os ARGUMENTOS utilizados para fazer dessa uma prática OBRIGATÓRIA!

Se bem “empacotada” e “promovida” a avaliação física pode ser um elemento de DIFERENCIAÇÃO e até mesmo um serviço “premium” de preço elevado! Mas esse valor deve ser tal que o cliente seja CONVENCIDO, ao invés de COMPELIDO, a pagar/fazê-la.

Como é feito hoje temos algo que é desnecessário para dar início, não oferece “proteção” alguma, não serve de parâmetro para prescrição, cria uma barreira de entrada/adoção ao exercício, não provoca engajamento dos profissionais de fitness e não desperta interesse na maioria dos clientes < i.e. não agrega valor >.

Logo, obrigar para quê?!

Avaliação Física Obrigatória: Rest in Peace.

 

CLEVERSON COSTA

PhD Student

Lisbon School of Economics & Management

Universidade de Lisboa – Portugal

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Lei Nº 11.111, 20 de Março de 2018. Disponível em http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1192142
  2. Riebe, D., Franklin, B. A., Thompson, P. D., Garber, C. E., Whitfield, G. P., Magal, M., & Pescatello, L. S. (2015). Updating ACSM’s recommendations for exercise preparticipation health screening. Medicine & Science in Sports & Exercise47(11), 2473-2479.
  3. Bennie, J. A., Wiesner, G. H., van Uffelen, J. G., Harvey, J. T., Craike, M. J., & Biddle, S. J. (2018). Assessment and monitoring practices of Australian fitness professionals. Journal of Science and Medicine in Sport21(4), 433-438.

2 comentários Adicione o seu

  1. Paulo Maia disse:

    Verdade Professor, mas quando se consegue engajar os profissionais ela passa a ser um forte instrumento de retenção. A grande dificuldade e trabalhar as reavaliações em outras modalidades ou com alunos que não tenham objetivos estético e sim performance ou controles metabólicos, pois a avaliação apenas de composição corporal passa-se a não ser a principal ferramenta para as reavaliações.
    Surge uma duvida então, será que poderíamos trabalhar com equipamentos de verificação de colesterol, glicemia e testes específicos para verificação de limiar de lactato?
    Obrigado
    @aepacademia
    Paulo Maia

    1. Olá Paulo!
      “será que poderíamos trabalhar com equipamentos de verificação de colesterol, glicemia e testes específicos para verificação de limiar de lactato?”
      Sim, sem dúvida, com certeza!
      Além disso para “outras modalidades ou com alunos que não tenham objetivos estético e sim performance” considere também TESTES MOTORES que medem a evolução de HABILIDADES e outras CAPACIDADES FÍSICAS.
      NÃO fique restrito à composição corporal!!!
      Pense “fora da caixa”… 😉
      Abs!

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